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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

A Terceira Guerra Mundial?


  A Terceira Guerra Mundial?

  Escrito por Boaventura de Sousa Santos

     É uma guerra provocada unilateralmente pelos EUA com a cumplicidade da Europa. O alvo   

    principal é a Rússia e, indiretamente, a China. O pretexto é a Ucrânia.


Tudo leva a crer que está em preparação a terceira guerra mundial, se entendermos por “mundial” uma guerra que tem o seu teatro principal de operações na Europa e se repercute em diferentes partes do mundo. É uma guerra provocada unilateralmente pelos EUA com a cumplicidade ativa da Europa. O seu alvo principal é a Rússia e, indiretamente, a China. O pretexto é a Ucrânia. Num raro momento de consenso entre os dois partidos, o Congresso dos EUA aprovou no passado dia 4 de dezembro a Resolução 758 que autoriza o Presidente a adotar medidas mais agressivas de sanções e de isolamento da Rússia, a fornecer armas e outras ajudas ao governo da Ucrânia e a fortalecer a presença militar dos EUA nos países vizinhos da Rússia. A escalada da provocação à Rússia tem vários componentes que, no conjunto, constituem a segunda guerra fria. Nesta, ao contrário da primeira, a Europa é um participante ativo, ainda que subordinado aos EUA, e assume-se agora a possibilidade de guerra total e, portanto, de guerra nuclear. Várias agências de segurança fazem planos já para o Day After de um confronto nuclear.

Os componentes da provocação ocidental são três: sanções para debilitar a Rússia; instalação de um governo satélite em Kiev; guerra de propaganda. As sanções são conhecidas, sendo a mais insidiosa a redução do preço do petróleo, que afeta de modo decisivo as exportações de petróleo da Rússia, uma das mais importantes fontes de financiamento do país. O orçamento da Rússia para o próximo ano  foi elaborado com base no preço do petróleo à razão de 100 dólares por barril. A redução do preço combinada com as outras sanções e a desvalorização do rublo agravarão perigosamente o déficit orçamental. Esta redução trará o benefício adicional de criar sérias dificuldades a outros países considerados hostis (Venezuela, Irã e Equador). A redução é possível graças ao pacto celebrado entre os EUA e a Arábia Saudita, nos termos do qual os EUA protegem a família real (odiada na região) em troca da manutenção da economia dos petrodólares (transações mundiais de petróleo denominadas em dólares), sem os quais o dólar colapsa enquanto reserva internacional e, com ele, a economia dos EUA, o país com a maior e mais obviamente impagável dívida do mundo.

O segundo componente é o controle total do governo da Ucrânia de modo a transformar este país num estado satélite. O respeitado jornalista Robert Parry (que denunciou o escândalo do Irã-contra) informa que a nova ministra das finanças da Ucrânia, Natalie Jaresko, é uma ex-funcionária do Departamento de Estado, cidadã dos EUA, que obteve cidadania ucraniana dias antes de assumir o cargo. Foi até agora presidente de várias empresas financiadas pelo governo norte-americano e criadas para atuar na Ucrânia. Agora compreende-se melhor a explosão, em fevereiro passado, da secretária de estado norte-americana para os assuntos europeus, Victoria Nulland: “Fuck the EU”. O que ela quis dizer foi: “Raios! A Ucrânia é nossa. Pagamos para isso”.

O terceiro componente é a guerra de propaganda. Os grandes media e seus jornalistas estão a ser pressionados para difundirem tudo o que legitime a provocação ocidental e ocultarem tudo o que a questione. Os mesmos jornalistas que, depois dos briefings nas embaixadas dos EUA e em Washington, encheram as páginas dos seus jornais com a mentira das armas de destruição massiva de Saddam Hussein, estão agora a enchê-las com a mentira da agressão da Rússia contra a Ucrânia. Peço aos leitores que imaginem o escândalo mediático que ocorreria se se soubesse que o Presidente da Síria acabara de nomear um ministro iraniano a quem dias antes concedera a nacionalidade síria. Ou que comparem o modo como foram noticiados e analisados os protestos em Kiev em fevereiro passado e os protestos em Hong Kong das últimas semanas. Ou ainda que avaliem o relevo dado à declaração de Henri Kissinger de que é uma temeridade estar a provocar a Rússia. Outro grande jornalista, John Pilger, dizia recentemente que, se os jornalistas tivessem resistido à guerra de propaganda, talvez se tivesse evitado a guerra do Iraque em que morreram até ao fim da semana passada 1.455.590 iraquianos e 4801 soldados norte-americanos. Quantos ucranianos morrerão na guerra que está a ser preparada? E quantos não-ucranianos?

Estamos em democracia quando 67% dos norte-americanos são contra a entrega de armas à Ucrânia e 98% dos seus representantes votam a favor? Estamos em democracia na Europa quando países da UE membros da NATO podem estar a ser conduzidos, à revelia dos cidadãos, a travar uma guerra contra a Rússia em benefício dos EUA, ou quando o parlamento europeu segue nas suas rotinas de conforto enquanto a Europa está a ser preparada para ser o próximo teatro de guerra, e a Ucrânia, a próxima Líbia?

As razões da insanidade

 Para entender o que se está a passar é preciso ter em conta dois fatos: o declínio dos EUA enquanto país hegemônico; o negócio altamente lucrativo da guerra. O declínio do poder econômico-financeiro é cada vez mais evidente. Depois do 11 de Setembro de 2001, a CIA financiou um projeto chamado “projeto profecia” destinado a prever possíveis novos ataques aos EUA a partir de movimentos financeiros estranhos e de grande envergadura. Sob diferentes formas, esse projeto tem continuado, e um dos seus participantes prevê o próximo crash do sistema financeiro com base nos seguintes sinais: a Rússia e a China, os maiores credores dos EUA, têm vindo a vender os títulos do tesouro e em troca têm vindo a adquirir enormes quantidades de ouro; estranhamente, este títulos têm vindo a ser comprados em grandes quantidades por misteriosos investidores belgas e muito acima da capacidade deste pequeno país (especula-se se o próprio banco de reserva federal não estará envolvido nesta operação); aqueles dois países estão cada vez mais a usar as suas moedas e não os petrodólares nas transações de petróleo (todos se recordam que Saddam e Kadafi  procuraram usar o euro e o preço que pagaram pela ousadia); finalmente, o FMI (o cavalo de Troia) prepara-se para que o dólar deixe de ser nos próximos anos a moeda de reserva e seja substituída por uma moeda global, os SDR (special drawing rights).

Para os autores do projeto profecia, tudo isto indica que um ataque aos EUA está próximo e que para este se defender tem de manter os petrodólares a todo o custo, assegurando o acesso privilegiado ao petróleo e ao gás, tem de conter a China e tem de debilitar a Rússia, idealmente provocando a sua desintegração, tipo Jugoslávia. Curiosamente, os “especialistas” que veêm na venda da dívida uma atitude hostil por parte de potências agressoras são os mesmos que aconselham os investidores norte-americanos a procederem da mesma maneira, isto é, a desfazerem-se dos títulos, a comprar moedas de ouro e a investirem em bens sem os quais os humanos não podem viver: terra, água, alimentos, recursos naturais, energia.

Transformar os sinais óbvios de declínio em previsões de agressão visa justificar a guerra como defesa. Ora a guerra é altamente lucrativa devido à superioridade dos EUA na condução da guerra, no fornecimento de equipamentos e nos trabalhos de reconstrução. E a verdade é que, como escreveu Howard Zinn, os EUA têm estado permanentemente em guerra desde a sua fundação. Acresce que, ao contrário da Europa, a guerra nunca será travada em solo norte-americano, salvo, claro, o caso de guerra nuclear. Em 14 de Outubro de 2014, o New York Times divulgava o relatório da CIA sobre o fornecimento clandestino e ilegal de armas e financiamento de guerras nos últimos 67 anos em muitos países, entre eles, Cuba, Angola e Nicarágua. Esta notícia serviu para que Noam Chomsky dissesse em “The Laura Flanders Show” que aquele documento só podia ter o seguinte título: “Yes, we declare ourselves to be the world´s leading terrorist state. We are proud of it” (“Sim, declaramos que somos o maior estado terrorista do mundo e temos orgulho nisso”).

Um país em declínio tende a tornar-se caótico e errático na sua política internacional. Immanuel Wallerstein refere que os EUA se transformaram num canhão descontrolado (a loose canon), um poder cujas ações são imprevisíveis, incontroláveis e perigosas para ele próprio e para os outros. A consequência mais dramática é que esta irracionalidade se repercute e intensifica na política dos seus aliados. Ao deixar-se envolver na nova guerra fria, a Europa, não só atua contra os seus interesses económicos, como perde a relativa autonomia que tinha construído no plano internacional depois de 1945. A Europa tem todo o interesse em continuar a intensificar as suas relações comerciais com a Rússia e em contar com esta como fornecedora de petróleo e gás. As sanções contra a Rússia podem a vir a afetar mais a Europa que a Rússia. Ao alinhar-se com o militarismo da OTAN onde os EUA têm total preponderância, a Europa põe a economia europeia ao serviço da política geoestratégica dos EUA, torna-se energeticamente mais dependente dos EUA e dos seus estados satélites, perde a oportunidade de se expandir com a entrada da Turquia na União Europeia. E o mais grave é que esta irracionalidade não é o mero resultado de um erro da avaliação dos interesses dos europeus. É muito provavelmente um ato de sabotagem por parte das elites neoconservadoras europeias no sentido de tornar a Europa mais dependente dos EUA, tanto no plano energético e económico, como no plano militar.

Por isso, o aprofundamento do envolvimento na OTAN e o tratado de livre comércio entre a UE e os EUA (parceria transatlântica de investimento e comércio) são os dois lados da mesma moeda.

Pode argumentar-se que a nova guerra fria, tal como a anterior, não conduzirá a um enfrentamento total. Mas não esqueçamos que a primeira guerra mundial foi considerada, quando começou, uma escaramuça que não duraria mais de uns meses. Durou quatro anos e custou entre 9 e 15 milhões de mortos. 
É uma guerra com a estratégia de sufocamento econômico da Rússia. Para evitá-la só tem um jeito: uma forte aliança dos BRICS e com todos os demais que estão abaixo da Linha do Equador e buscar uma aliança política com a esquerda e forças democráticas de todo o mundo. Uma aliança que possa resgatar o Estado de Bem-Estar Social, superação da fome, da miséria e da pobreza, especialmente no continente africano. O desafio é esse: acabar com a meleca neoliberal e promover um alto grau de cidadania no mundo. Aproveitar os bons ventos, tipo Podemos e tocar a massa na rua para que todos tenham do bom e do melhor, e o convívio pacífico entre os povos e nações.

Vida em Marte?

Analisando imagens de arquivo obtidas pelo jipe robótico Curiosity, da Nasa, uma pesquisadora nos Estados Unidos diz ter encontrado possíveis sinais de fósseis marcianos.
Imagem obtida pelo Curiosity em 2013 pode conter registros fósseis marcianos. Será? (Crédito: Nasa)
Imagem obtida pelo Curiosity em 2013 pode conter registros fósseis marcianos. Será? (Crédito: Nasa)
É isso mesmo que você leu. Nora Noffke, geobióloga da Old Dominion University, em Norfolk (EUA), apresentou a arrojada hipótese num artigo publicado on-line pelo periódico “Astrobiology”. Segundo ela, algumas das rochas fotografadas pelo rover parecem ter marcas similares às deixadas por colônias de bactérias na Terra, conhecidas genericamente pela sigla inglesa Miss (estruturas sedimentares induzidas por micróbios). São como “tapetes” macroscópicos criados pelas minúsculas criaturas ao ocupar uma determinada rocha.
Noffke é especialista nesse tipo de fóssil. Foi ela a principal autora do trabalho que identificou os mais antigos traços inquestionáveis de vida em nosso planeta, encontrados na Austrália. Eles têm 3,48 bilhões de anos de idade. Já as rochas marcianas que ela analisou agora foram avistadas pelo Curiosity em dezembro de 2012, quando ele chegou à formação geológica batizada de Baía Yellowknife, no interior da cratera Gale. Análises feitas pelo jipe mostram que ali houve um lago marciano que durou pelo menos até 3,7 bilhões de anos atrás, quando se formaram os sedimentos da rocha conhecida como Lago Gillespie, inspecionada visualmente pela cientista. Ou seja, estamos falando de estruturas que parecem ter sido formadas por bactérias num local em que essas criaturas de fato podem ter proliferado. Convenhamos, não parece nada absurdo.
Veja o que diz Noffke: “Na Terra, se essas Miss ocorressem com esse tipo de associação espacial e sucessão temporal, elas seriam interpretadas como o registro de crescimento de um ecossistema dominado por micróbios que viveu em corpos d’água que mais tarde secaram completamente.”
Comparação da foto do Curiosity com formações microbianas similares na Terra. (Crédito: Nora Noffke)
Comparação da foto do Curiosity com formações similares e modernas na Terra. (Crédito: Nora Noffke)
VERIFICAÇÃO
Apesar da premissa convincente e das exaustivas comparações entre formações similares em Marte e na Terra, Noffke alerta: por ora, trata-se apenas de uma hipótese, que ainda precisa ser posta à prova e com isso ser confirmada ou refutada.
(Essa, aliás, é a principal razão para que você não acredite cegamente em histórias de gente que vê pirâmides, animais e até seres humanos em fotos marcianas. É muito fácil “enxergar” padrões em cenários naturais — nosso cérebro é programado para identificar tudo que passa pelos olhos com formas familiares. Por isso também vemos coisas em nuvens. Mas, para confirmar qualquer percepção subjetiva, é preciso realizar novas observações, com métodos diferentes. Um exemplo bom é a famosa “Face de Marte”, em Cydonia. Uma imagem obtida pela sonda Viking em 1976 parecia revelar um rosto esculpido no planeta vermelho. Mas só parecia. Posteriormente, outra imagem da Viking e uma obtida pela orbitadora Mars Global Surveyor em 2001 sob outro ângulo de iluminação do Sol fizeram a “face” sumir. Era só uma montanha comum mesmo. Quer outro exemplo? Aposto que você enxergou dois olhos de um crânio na primeira imagem que ilustra essa matéria… Como dizia Carl Sagan, “afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias”. Não acredite nas aparências e nas explicações fáceis. Sempre verifique os fatos e submeta-os a testes alternativos. Esse não é um bom conselho só para a ciência. É excelente para a vida cotidiana também.)
A primeira imagem da Viking (1976) e a versão da Mars Global Surveyor (2001). Que face? (Crédito: Nasa)
A primeira imagem da Viking (1976) e a versão da Mars Global Surveyor (2001). Que face? (Crédito: Nasa)
Infelizmente, o Curiosity já está muito longe da Baía Yellownkife e não terá como fazer análises adicionais para confirmar as observações superficiais feitas por Noffke. E a pesquisadora é a primeira a admitir que os traços poderiam ter sido produzidos por processos abióticos (ou seja, que não envolvem organismos vivos). Mas ela em particular não parece convencida de que seja o caso, dadas as semelhanças com formações estudadas na Terra. “Essa similaridade de associações marcianas e terrestres e sua mudança ao longo do tempo seriam outra extraordinária coincidência, se seus processos de formação forem diferentes.”
E agora, vamos ficar sem saber? Nem tudo está perdido. O Curiosity está explorando as imediações do monte Sharp, muito rico em rochas sedimentares, em tese também propícias à preservação de registros fósseis. Tendo isso em vista, Noffke termina seu artigo apresentando o “passo a passo” para que os pesquisadores da Nasa possam procurar novos traços de Miss e desta vez se detenham mais diante deles, realizando análises químicas que possam confirmar sua origem biológica. De acordo com a pesquisadora, os minerais presentes podem dar pistas importantes. “Em Marte, poderia haver, em estruturas candidatas, uma combinação muito diferente de minerais que é claramente divergente da mineralogia das rochas circundantes e poderia indicar biogenicidade.”
Mesmos traços no solo em Marte e na Terra. O nosso é biológico. E o de lá? (Crédito: Nora Noffke)
Mesmos traços no solo em Marte e na Terra. O nosso é biológico. E o de lá? (Crédito: Nora Noffke)
Diversos instrumentos do Curiosity poderiam procurar esses sinais. Mas talvez uma conclusão definitiva só possa ser obtida quando rochas como essas forem trazidas de Marte para a Terra. Uma missão robótica de retorno de amostras é basicamente o clamor de todos os astrobiólogos, mas ainda não está no cronograma de nenhuma agência espacial.
Apesar disso, a descoberta de sinais de vida, ainda que extinta, em Marte parece cada vez mais próxima. No fim do ano passado, o Curiosity detectou pela primeira vez plumas de metano — um gás que pode ou não estar associado a atividade biológica — emanando do solo do planeta vermelho. Sua posterior investigação é um possível caminho para a busca pelos marcianos. Noffke, agora, abre uma segunda rota. Quanto mais trilhas a seguir, maior a chance de sucesso.
Talvez você não se anime muito com o que seriam apenas criaturas unicelulares. Quem se importa com bactérias? Bem, note que a descoberta de vida extraterrestre, de qualquer tipo, já trará consigo uma revolução. Ela confirmará a desconfiança dos cientistas de que a biologia emerge sempre que as condições são favoráveis. Se aconteceu até em Marte, um planeta apenas marginalmente habitável, que não diremos de outros mundos fora do Sistema Solar que sejam similares à Terra?